A arte marcial do Aikido e sua contribuição para nossa formação

 


Quando Cristiano nos presenteou com um livro de Richard Davidson, com temas como a viabilidade de se treinar bondade e felicidade, pensar essa relação na prática do Aikido ou Jodo parecia distante.


O neurocientista Davidson escreveu juntamente com Daniel Goleman (autor da Inteligência Emocional e Social), onde surgem constatações impactantes como: “a base de um cérebro saudável é a bondade”, contido no estudo sobre alterações nos traços (características) das pessoas.

Esse livro denominado Altered Traits – A ciência revela como a meditação altera sua mente, seu cérebro e seu corpo, (2017. Penguin. 330 ps.) conta a experiência de mais de 40 anos dos dois autores e apresenta no seu capítulo 13 (Traços alterados, p.249) um enigma do poeta, yogui e sábio Jetsun Milarepa (séc.XII):


“No começo nada vem, no meio nada fica, no fim nada vai”.


Stanley Pranin (Aikido Journal, de 14 de abril de 2013) faz uma defesa do praticante de Aikido: “the apologetic martial artist”, onde relata a existência de centenas de “aikidocas” que treinam por dezenas de anos e nunca se evolveram numa “luta real” e consequentemente nunca foram derrotados.


Esse conceito que altera a visão do artista marcial de “nunca perder” para aquele de “nunca lutar”, característica fundamental do Aikido, proporciona vitórias na sua vida profissional, social, familiar e pessoal.


Como isso se processa é o objetivo e a reflexão da presente narrativa, que centra o pensamento na dificuldade da transposição para o ocidente de uma cultura que vem embutida nas artes marciais japonesas. Como seria o processo de ensino e aprendizagem do Aikido fora do contexto de origem, num ambiente cuja identidade cultural baseada no ocidente facilita ou dificulta a transmissão desse conhecimento? (Espartero e al. 2019: “Artes marciales japonesas: prácticas corporales representativas de su identidad cultural.)”.


Como coloca Gérard Fouquet (Arts Martiaux, 1996), não é simples e encontram-se várias formas de abordar artes marciais, mas é sempre oportuno interrogar o que é uma arte marcial? quais seriam seus fundamentos? Que definições são dadas a ela e como se pesquisa e difunde essa arte?


O que sente e pensa uma pessoa do ocidente, por ex: um brasileiro, quando vê um grupo de pessoas vestindo “hakama”, brandindo espada e bastão, lançando ou imobilizando seus companheiros?


Uma observação entre estudiosos e praticantes do ocidente mostra uma tendência de que a prática corporal, que leva a dominar os movimentos precisos e sutis do Aikido, se baseia na motricidade humana, observa a etiqueta, os processos de ensino e leva à melhor compreensão de si mesmo e ao aprimoramento espiritual.

 

A prática dentro do Dojo é uma amplificação do que ocorre na vida de cada um, em termos de confronto consigo mesmo, com os outros, a execução de movimentos fundamentais e o enfrentamento entre a vida e a morte.

 

Nesse local pode-se expandir sentimentos como o medo, a coragem, o respeito, a humildade, a bondade e ainda, sentir a existência da violência, da maldade, da vaidade e outras emoções que podem ser trabalhadas no sentido de elevar valores humanos positivos que podem ser levados para o dia a dia.

 

Com isso, respeito, disciplina, comprometimento consigo e com outros, vivenciar compaixão, seriam resultados da prática contínua e contribuiria na formação do caráter da pessoa.

 

Michael Maliszewski (Spiritual Dimensions os the Martial Arts, 1992) que descreve “as artes marciais como meditação em movimento” e Basile Doganis (La pensée du corps. 2006) ambos citados por Espartero, considera a “existência de uma forma de universalidade corporal compatível com a atitude reflexiva e contemplativa, dado as mesmas da meditação, que surge da ação e esta se desenvolve na contemplação, que por sua vez, volta à ação em uma dialética circular e dinâmica”.

 

Esta forma complexa de expressão ocidental, o oriente denomina de “Shin-Gui-Tai”. Shin significa espírito, alma, cognição, Gui significa técnica, arte e Tai significa corpo, matéria, local onde se expressa o espírito.

 

Com a repetição dos movimentos onde o corpo aprende e memoriza as técnicas fundamentais, leva à formação global da pessoa onde alguns denominam de Budo (Classical Budo, Donn Draeger, 1973).

 

O processo de aprendizagem oriental também utiliza o termo Shu-Ha-Ri. Vários autores expressam Shu como aprender e seguir, imitar. Ha quando começa a refletir, testar e adaptar. Ri é a personificação da técnica ou princípio.

 

Observe como ela coincide com o que coloca Milarepa. No começo, não se consegue entender ou realizar os movimentos fundamentais, No meio, esquece com facilidade o que aprendeu e não se lembra. No fim, quando se domina a arte, não mais a esquece.

 

Também de forma simples Shikanai Sensei diz que a formação vem de “coração para coração” (espírito), segue o “ensinamento das formas fundamentais” (técnica) e finalmente pela “dominação da técnica” (pelo corpo).

 

Talvez esta aderência ao “shin-gui-tai” e “shu-ha-ri” seria a forma de absorver a cultura do Aikido pelos ocidentais, não ficando somente na forma, mas sendo educado e formado de maneira integral (corpo, mente e espírito), na interpretação da vontade do Shikanai Sensei.

 

As pessoas que se formam observando esses princípios teriam condições de: “cultivado pelo Aikido possam oferecer sua capacidade e conhecimento para a melhorar a nossa sociedade” (Moriteru Ueshiba, 2019, entrevista com Josh Gold).

 

Cultivar valores humanos por meio do Aikido, tais como o de respeito, bondade, coragem e humildade que podem ser desenvolvidos por meio de prática e reflexão das emoções e sentimentos que surgem na prática dos movimentos e transmitir esses ensinamentos, poderia ser uma das formas de um praticante ter suas “vitórias” no dia a dia pessoal, familiar ou profissional, sem ter de lutar e tentar ganhar numa competição para ser feliz.

 

 

 

Brasília, 20 de novembro de 2020.

Nelson Takayanagi - Aizenkai.

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aizenkai.